Uma mensagem compartilhada na internet atribuída a uma enfermeira australiana (que se diz preocupada com a utilização indiscriminada do chamado termômetro de testa no contexto da crise do coronavírus) tem causado confusão entre pessoas e quem controla o acesso aos locais, sejam públicos ou privados.
“O termômetro do tipo infravermelho nunca deve ser apontado para a testa de alguém, especialmente de bebês e crianças pequenas. Como profissional da área médica, recuso-me a visar diretamente a glândula pineal, que está localizada no centro da testa, com um raio infravermelho. No entanto, a maioria das pessoas concorda em passar por isso várias vezes ao dia! Nossas glândulas pineais devem ser protegidas, pois são cruciais para nossa saúde agora e no futuro”, afirma a mensagem falsa.
Médicos de diferentes hospitais, universidades e centros de pesquisa, em vários países, entrevistados por renomados veículos de comunicação, desmentem essa afirmação, explicando que é anatomicamente impossível que o termômetro cause prejuízo à glândula pineal, parte do nosso sistema endócrino que fica no centro do cérebro e é resguardada por estruturas de tecido e osso. Médicos e cientistas lembram que este tipo de termômetro já é usado no meio médico há muito tempo, sem que haja relatos de danos deste tipo e se popularizou durante a pandemia da Covid-19, para medição de temperatura em locais públicos. Ou seja, são equipamentos aprovados para uso no Brasil pela Agência Nacional e Segurança Sanitária (Anvisa), e que oferecem segurança, não devendo ser temidos pela população.
O boato foi desmentido pela equipe do FATO ou FAKE (Consórcio de veículos de informação criado com o objetivo de garantir que notícias sem fundamento comprovado sejam massificadas, principalmente, nos meios digitais).
Os médicos explicam que a vantagem deste termômetro, no contexto da pandemia, é que ele tira a temperatura de forma rápida (em poucos segundos), e sem que haja a necessidade de se encostar nas pessoas. O recomendável é que aquele que faz a medição fique a uma distância de 50 centímetros de quem passa pela aferição.
Um dos profissionais que falou sobre a polêmica causada por essa desinformação foi o médico Júlio Pereira, neurocirurgião da Beneficência Portuguesa de São Paulo. “Isso não tem lógica alguma. A glândula pineal é profunda, e está protegida pela pele, subcutâneo, caixa craniana, e ainda tem todo o córtex cerebral. A ideia de que haveria dano a ela não tem qualquer plausibilidade biológica”, diz Pereira.
Outro profissional médico que também foi entrevistado para se manifestar sobre a questão foi o infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Infectologia Dr. Renato Kfouri, rechaçando qualquer hipótese de dano cerebral no ato da medição, que, conforme lembra, dura poucos segundos.
“Este é mais um absurdo que está sendo propagando. Os termômetros são de captação de temperatura, e não emitem nada que possa chegar ao cérebro, quanto mais atravessar a camada óssea. Não há radiação, e ele não atinge nada que não seja a superfície da pele”, explica.
A mensagem falsa diz que as pessoas devem se recusar a ter a temperatura tirada na testa, e que o melhor é que o termômetro seja apontado para o braço. “Isso não faz sentido algum. A medição pode ser em qualquer parte do corpo, mas a cabeça geralmente expressa melhor a temperatura corporal. Por isso, normalmente esta é a parte do corpo que se utiliza. As extremidades são sempre mais frias, e a testa é o local mais fácil”, explicou Kfouri.
O infectologista Paulo Santos, consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, considera um delírio a ideia de que a glândula pineal possa ser lesionada na aferição de temperatura, e reafirma que esse tipo de termômetro oferece segurança ao paciente.
“É tão absurdo que fica difícil de comentar tecnicamente. É completamente fantasiosa essa afirmação. A glândula pineal fica no centro do cérebro humano, e não sofre qualquer interferência de estímulos na região da testa. O infravermelho do termômetro não penetra no corpo, e se limita à superfície da pele, não causando nenhum mal à saúde”, reafirma.
Vários veículos de comunicação checaram a mensagem divulgada e constaram que a informação não corresponde à verdade.
O médico Antônio de Salles, chefe da neurocirurgia do Hospital Vila Nova Star, da Rede D’Or, é categórico ao explicar que a mensagem divulgada não passa de “fake news absurda”. “Não tem realmente nenhuma evidência científica de que o termômetro infravermelho cause qualquer problema intracraniano. Basta dizer que nós temos raios infravermelhos na luz solar, estamos expostos a ele todos os dias”, diz o médico. Ele acrescenta que a glândula pineal está localizada “no centro do nosso cérebro” e “uma aplicação como esta não tem efeito nenhum” sobre ela. “É um aparelho totalmente inofensivo, que mede a temperatura à distância. É muito benéfico no combate à pandemia. Imagina se tivéssemos que colocar um termômetro na boca ou nas axilas de cada pessoa?”
Segundo o Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia), estes aparelhos “vêm sendo grandes aliados dos profissionais de saúde” no combate à doença.
Diversas plataformas de checagens em outros países verificaram o mesmo conteúdo.
À AP News, o Dr. Haris Sair, diretor de neurorradiologia da Johns Hopkins University, diz que os termômetros infravermelhos são projetados para medir o comprimento de ondas infravermelhas naturais que o corpo emite. Ou seja, os termômetros não enviam luz infravermelha para o corpo. Além disso, o especialista explica que a testa também não está particularmente perto da glândula pineal, que está localizada nas profundezas do cérebro.
Mireille Rossel, professora e pesquisadora em neurociências da Pratique des Hautes Études (EPHE), disse à Agência AFP que não há qualquer possibilidade de o termômetro infravermelho causar algum dano à glândula pineal. “Seria preciso cruzar completamente a caixa craniana para chegar a essa pequena glândula que fica na parte inferior do cérebro”, diz.
O termômetro infravermelho corporal também foi peça de desinformação em países como México e Chile como causador de danos aos neurônios e à retina. Todas as publicações foram desmentidas.
Termômetro infravermelho
O Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) publicou em maio um guia sobre o uso de termômetros infravermelho. Segundo o documento, os aparelhos clínicos medem a energia irradiada pelo paciente, que é então convertida em um valor de temperatura. Ou seja, os aparelhos têm a função de detectar a radiação emitida pelo corpo. Nesse tipo de medição não há contato direto com a pessoa, “o que torna um método mais seguro”, diz o Inmetro, pois diminui uma possível contaminação cruzada entre pacientes. Se a temperatura estiver acima do normal, soa um bipe diferente.
Segundo a doutora em enfermagem pela UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro – Tânia Vignuda, para ser considerada um sinal de Covid-19, a temperatura corporal deve ser maior que 37,7ºC.
O Inmetro informa ainda que a precisão da verificação da temperatura depende do local de medição. “Na testa temos uma indicação de temperatura um pouco maior comparada à superfície exposta do braço ou da perna, em torno de 0,8 ºC. Por essa razão, o usuário somente deverá medir no local indicado pelo fabricante”, diz o instituto. O neurocirurgião Paulo Honda afirmou que, como a aferição é de superfície e deve obedecer uma certa distância, a testa é mais adequada do que outras partes do corpo, por estar descoberta e facilitar a aferição perpendicular ao raio emitido pelo termômetro.
Em nota o Inmetro informou ainda que os termômetros infravermelhos são regulamentados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Os fabricantes destes aparelhos informam que cada tipo dispõe de manual sobre como funciona a medição da temperatura corporal, a distância a ser tomada na hora da medição e os cuidados com os aparelhos. Não há indicações de que esses termômetros causem danos cerebrais.
Ass. Relações Públicas do Hospital de Cataguases